quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Memória que não se perde

A internet, com suas facilidades, está interferindo na forma como o ser humano utiliza sua capacidade de armazenar e memorizar informações. A evolução humana tem acontecido com a liberação dos recursos da Consciência para sua utilização na capacidade de resolução de conflitos e de entendimento da realidade, sem que se precisa guardar muitas informações. A disponibilidade de acesso imediato ao conhecimento, sem muito esforço de memória, deixou o ser humano mais livre para utilizar sua inteligência para pensar sobre si mesmo, para a compreensão da vida e para transcender sua dimensão física.
Com a tecnologia disponível, já não há mais risco de esquecimento dos fatos, pois estamos aprendendo a armazená-los em aparelhos eletrônicos disponíveis à mão, facilitando seu uso, sem gasto de tempo nem esforço de memorização. Os meios disponíveis para o armazenamento se multiplicam na mesma velocidade com que se obtém as informações. Estamos na era das nuvens em que se guardam dados para uso instantâneo. A mente se expandiu para além do cérebro, atingindo o imponderável.
Para que o esforço de memorizar se você pode buscar as informações, a qualquer tempo, numa nuvem? Será que, com isto, estamos perdendo a memória, ficando mais esquecidos e com dificuldade em lembrar de nomes, datas, afazeres e de alguns compromissos? Talvez sim, mas é fato que estamos dominando mais os recursos da própria mente para que a vida se torne mais fácil e mais duradoura. Estamos transferindo nossa memória para aparelhos de fácil uso, reativando-a quando necessário, evitando aumentar o tamanho da mente, otimizando seus potenciais.
O Inconsciente, ou a ignorância humana, está cada vez mais acessível, agora pela Internet, pois, antes recorríamos aos dicionários e enciclopédias. Estamos mais conscientes de que o domínio da tecnologia é fundamental para que o ser humano se liberte de seus fantasmas e possa assumir o papel de protagonista de seu destino no mundo.
Publicado no Jornal ATarde de 01.12.2015


sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Tornar-se pessoa

O psicólogo americano Carl Rogers, criador da Abordagem Centrada na Pessoa, escreveu um conhecido livro, “Tornar-se Pessoa”, onde afirma sua crença na liberdade e na capacidade do ser humano em encontrar seu caminho e formar seu próprio destino. Sua abordagem lhe valeu uma indicação ao Prêmio Nobel da Paz em 1987. Inspirado nele, reafirmo o valor da dignidade humana. Dignidade não se compra, não se perde nem se ganha. Ela é uma condição inata, inalienável e precisa ser autorreconhecida. É a exata afirmação de quem se é, pessoa, cidadão, autenticamente humana e proprietária de si mesmo. Nada, nem ninguém rouba a dignidade de uma pessoa quando ela não se dobra a qualquer tentativa de inferiorizá-la, discriminá-la ou reduzi-la a uma coisa.
Coisifica-se uma pessoa quando ela é resumida a um título ou designação exterior, sem que seja vista em sua condição humana, em igualdade de direitos. Quando uma pessoa é apresentada pelo título, pela religião que professa ou por qualquer qualificação acessória não está sendo vista, pois se plasma na mente de quem vê, ou ouve, as características do grupo correspondente àquele aspecto coletivo. Nesta condição, exclui-se o outro em sua natureza essencial, aplicando-lhe atributos coletivos. Quando apresento alguém como doutor, ou como funcionário público, ou como católico, ou como espírita etc., estou antecipando na mente do outro, qualidades que, mesmo sendo politicamente corretas e socialmente aceitáveis, provocam uma barreira, a ser demolida para que se conheça de fato quem é o outro. Não se deve colocar a condição econômica, física, ideológica, ou de qualquer outra natureza, à frente de sua humanidade.
Talvez seja improvável que se venha a abolir das apresentações os títulos, mas não se deve acrescentar ou retirar a dignidade de uma pessoa pelos atributos provisórios que ostenta. Antes de alguém dizer o que diz ser, simplesmente é uma pessoa, cuja condição humana nunca deve ser esquecida e colocada abaixo de qualquer título. Isto é dignidade.

Artigo publicado no Jornal ATarde de 18.11.2015.

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Homoafetividade

O ser humano ocupa, na escala filogenética, o ápice da capacidade de adaptação ao meio em que se situa. Dotado de inúmeras faculdades e do poder de transformar o meio ambiente de acordo com suas necessidades, com suficiente visão de futuro, remodela tudo que se passa a sua volta. As mudanças que promove não acontecem apenas na sociedade, mas principalmente em sua mente, em seu corpo e nas relações que estabelece com seu semelhante. É exatamente nas relações com seus pares que mais tem ocorrido mudanças, principalmente no campo afetivo, pois ele é, sem sombra de dúvidas, um animal afetivo, graças ao processo de evolução que o fez surgir do simples coacervado até alcançar a constituição de um organismo de grande complexidade. Porém, sua evolução não se dá tão somente na conquista da enorme gama de faculdades de seu corpo, mas, principalmente, na construção de um psiquismo flexível e complexo que o capacita ao desempenho de tarefas de alta cognição. Entre as conquistas promovidas pelo seu psiquismo está sua capacidade afetiva, fruto das interações com seus semelhantes.
Sua afetividade é consequência do uso da sexualidade, que, inicialmente, veio para atender seus instintos, estimulada pelo prazer, mas que evoluiu para o desenvolvimento da capacidade afetiva, num processo de psiquificação do que era meramente físico. Neste processo, o “homo sapiens” evoluiu para se tornar o atual “homo affectivus”, que o leva experimentar o prazer a partir de experiências subjetivas, independentemente de suas sensações corporais. Diferentes formas de vivenciar esta conquista evolutiva fizeram surgir novos modos de acasalamento. Por conta desta conquista, a homossexualidade é um capítulo da homoafetividade, tanto quanto a heterossexualidade é da afetividade geral, quando desejo e sentimento se fundem plasmando a saudável troca de energias vinculadas ao afeto e ao prazer. Entender que o ser humano é livre para manifestar sua afetividade nos levaria ao respeito a toda forma de convivência.

Artigo publicado no Jornal ATarde de 04.11.2015.